segunda-feira, 18 de maio de 2020

A Hora da Estrela




Chegou o momento de falarmos do livro A Hora da Estrela, de Clarice Lispector. Publicado em 1977, conta a história da emigrante nordestina Macabéa por meio do narrado Rodrigo S. M.
Muito solicitado em vestibulares e provas como o ENEM. 

Clarice Lispector e o romance intimista

Clarice Lispector foi uma escritora da terceira geração do modernismo. Seu primeiro romance publicado foi Perto do Coração Selvagem, quando tinha 17 anos, e chamou a atenção por sua grande qualidade narrativa. Desde então, Clarice se mostrou uma das grandes escritoras em língua portuguesa.

Análise

Os romances da autora estão repletos de estudos psicológicos das personagens, mas ocorrem poucas ações, já que seu interesse está voltado para o que se passa dentro do ser humano. A epifania é a grande matéria-prima das obras de Clarice.
O romance psicológico, ou romance intimista, é o foco de Clarice Lispector. Nesse tipo de romance, o interesse é voltado para os conflitos psicológicos internos das personagens ou do narrador, sejam eles conscientes ou inconscientes.
O diálogo interno é preferido ao diálogo externo, a vida interior é mais explorada do que o que se passa ao redor das personagens.
O chamado fluxo de consciência, mais que os fatos em si, é a matéria essencial para a romancista, que busca por meio dos seus personagens expor conflitos internos. A crise existencial e a introspecção causada por essa crise parecem ser as matérias que dão início às obras de Clarice Lispector.

Contexto

A maioria das obras de Clarice Lispector foram escritas durante a ditadura militar no Brasil. Quando muitos escritores procuravam denunciar ou criticar a situação política nacional, Clarice Lispector focava sua obra no psicológico, deixando a política de lado.
A atitude da escritora de ignorar o momento histórico gerou diversas críticas que a acusavam de ser alienada. Clarice, porém, tinha consciência política e, além de explicitá-la em algumas crônicas, isso está presente no romance A Hora da Estrela.

O narrador Rodrigo S. M.

O romance vai ser narrador por Rodrigo S. M., que também é apresentado como escritor. Ele é um dos elementos mais importantes do livro, fazendo uma mediação entre os acontecimentos, os sentimentos de Macabéa e os seus próprios.
Antes de começar a contar a história de Macabéa, Rodrigo S. M. abre o romance com uma dedicatória. Nela, o narrador faz uma profunda reflexão sobre o ato de escrever. Ele sabe que a palavra tem papel fundamental não só na escrita, mas no mundo.
A linguagem é tratada como performática, isso quer dizer que ela encerra dentro de si o poder da ação:

"tudo no mundo começou com um sim"

Com a consciência do poder da palavra, o narrador começa uma série de questionamentos sobre o ato de escrever e como contar a história de Macabéa.
O capítulo em questão se inicia com uma série de dedicatórias para os grandes compositores de música clássica. Podemos entender nesse contexto que a vibração, a linguagem antes da palavra, tem um papel muito importante no livro. O inefável, aquilo que não pode ser dito é o grande foco de A Hora da Estrela.
Rodrigo S. M. nos diz que ao longo de todo o romance existe um senhor tocando violino na esquina. A música faz parte essencial da história, como aquilo que não pode ser dito, apenas sentido.
O narrador mantém um papel fundamental ao longo de todo o romance, e não apenas na dedicatória. Macabéa é uma pessoa simples, com pouca consciência de si mesma. O narrador aparece como um mediador dos assuntos internos de Macabéa.
Em um movimento que vai do seu psicológico para a da personagem e vice-e-versa, o narrador consegue criar uma teia complexa de sentimentos e pensamentos em um personagem aparentemente simples.
Esse movimento também serve para que o narrador desenvolva os seus próprios conflitos internos e exponha questões sociais que geralmente não têm espaço nas obras de Clarice Lispector. Rodrigo S. M. diz não pertencer a nenhuma classe social, mas reconhece em Macabéa a precariedade das populações mais pobres.
Macabéa é nordestina como o narrador e como Clarice Lispector, que nasceu na Ucrânia embora tenha crescido no Recife. O narrador sente por Macabéa a proximidade da origem, mas a vida deles no Rio de Janeiro é muito diferente. A relação entre o narrador e a personagem acaba sendo um tema central no livro.

Macabéa

Macabéa é uma entre as muitas mulheres nordestinas que saíram do sertão para a cidade. O tema da migração e da miséria do nordeste percorre o romance em paralelo com o desenvolvimento psicológico do narrador e da personagem. Rodrigo S. M. é o criador da personagem, mas diz ter vislumbrado Macabéa em um relance, quando viu o rosto de uma nordestina na rua.
A personagem é uma pessoa simples, tanto materialmente como psicologicamente. Macabéa não tem consciência de si mesma e quase nenhum desejo. As únicas vontades que ela possui vêm da sua fascinação pelas propagandas ou pelo cinema - são desejos simples e um pouco deslocados. Por exemplo, quando ela vê uma propaganda de um creme de rosto, seu desejo é comer o creme com colher.
Outro desejo que aparece em Macabéa e que é explorado pelo narrador é o seu desejo sexual. Todos os movimentos de Macabéa são primitivos e possuem relação com os instintos básicos de sobrevivência, como comer e se reproduzir.
Porém, até esse desejo básico da sexualidade é reprimido em Macabéa. Seus pais morreram quando ela era criança e ela foi criada por uma tia beata. As pancadas que a tia lhe dava e a criação religiosa serviram para que Macabéa reprimisse o menor desejo sexual.
Macabéa praticamente não existe, sua presença é sempre pequena, ela nunca quer incomodar e sempre é educada. Seu primeiro namoro é com Olímpico, outro nordestino, mas de carater totalmente diferente. Ele é descrito como alguém decidido, voltado para seus objetivos, uma pessoa com anseios, desejos e até alguma maldade.
Durante o namoro, Macabéa segue as vontades de Olímpio sem questionar, até quando ele termina o namoro com ela para ficar com sua colega de trabalho. Macabéa aceita o término, esboçando como única reação um riso de nervosismo.

Interpretação

A Hora da Estrela é um dos principais romances de Clarice Lispector e uma das mais importantes obras da literatura brasileira. O que torna o livro especial é a relação que o narrador Rodrigo S. M. tem com a personagem principal Macabéa.
O livro é, acima de tudo, uma reflexão sobre o exercício da escrita e do papel do escritor. Clarice Lispector sempre foi tida como uma escritora “difícil”. Nesta obra, ela nos mostra como seu processo criativo é complexo, justificando um pouco o conteúdo.
Rodrigo S. M. nos diz no começo do romance:

"Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado..."

A angústia do escritor é matéria essencial da obra. Por meio da estória e da Macabéa, o escritor consegue “aliviar” a sua angústia. Porém esse alívio é passageiro, pois logo a própria escrita se torna fonte de angústia.
Há também uma preocupação com o inefável (aquilo que não pode ser dito) e com os limites do narrador. A vibração como forma de comunicação não verbal reverbera em todo o romance, mas como o livro é essencialmente palavras essa comunicação é falha. O narrador tem os seus próprios limites.
A pergunta que se coloca é como constituir, criar e narrar uma vida tão diferente da do criador.

"Vai ser difícil escrever essa história. Apesar de eu não ter nada a ver com a moça, terei que me escrever todo através dela por entre espantos meus."

O sucesso do romance (a sua escrita e a transformação da narrativa em literatura) é ainda, por mais contraditório que pareça, o fracasso do narrador.

"Estou absolutamente cansado de literatura; só a mudez me faz companhia. Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte. A procura da palavra no escuro. O pequeno sucesso me invade e me põe no olho da rua."

A Hora da Estrela é a grande reflexão sobre a escrita e sobre o papel do escritor, sobre os limites do narrador e do próprio ato de narrar. Em última instância, é o desabafo de quem tem quer vomitar uma estrela de mil pontas.

Depois dessas apresentações sobre o livro, o que acha de ler A Hora da Estrela e tirar suas conclusões sobre essa obra? Boa leitura!

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